Relatos

 
 
 "No dia 2 de junho às 23h30 estávamos pegando um ônibus para protestar. Protestar contra o quê? Nós não sabíamos ao certo. Estávamos indo protestar, só isso. Também não sei porque nós fomos, só sei que na hora da saída do ônibus nós estávamos lá (meio perdidas, é claro).
 Éramos três estudantes de jornalismo um pouco decepcionadas e desesperadas com o curso em busca de alguma coisa para fazer. Numa parada ficamos imaginando uma manchete: Protesto sem sentido. E depois uma linha fina: estudantes não sabem porque estão protestando. E aí uma foto: eu, a Paula e a Simone olhando para cima totalmente perdidas. Rimos da situação, mas continuávamos sem saber muito sobre o protesto.
 Só quando chegamos no Parque Barigüi é que a situação foi se esclarecendo. Estávamos num ônibus com estudantes secundaristas, integrantes do MST e militantes do PC do B. A Polícia Militar havia matado o sem-terra Antônio Tavares fazia um mês, professores da rede pública estavam em greve. Precisa falar de mais algum motivo para a manifestação?
  Estávamos no Barigüi observando os carros de som e os ônibus chegando quando apareceu o senador Eduardo Suplicy andando tranqüilo pelo meio do povo e dando entrevistas para quem quisesse. Foi aí que os dons jornalísticos da Simone começaram a aparecer. O que nós estávamos fazendo lá? Por que não fazíamos uma entrevista? E aí outra pergunta: Alguém trouxe um gravador? Não, ninguém tinha lavado gravador. Éramos três estudantes de jornalismo sem gravador. Mas para não morrer de vergonha nós tínhamos uma câmera fotográfica. Só faltava o filme.
Na verdade a nossa salvação foi o caderninho de anotações da Paula. E com caderninho na mão lá foi a Simone no meio do jornalistas fazer anotações. Depois apareceram os líderes do PT José Dirceu e Eloísa Helena. Só faltava coragem para chegar perto deles. Foi o segurança do José Dirceu que incentivou as futuras jornalistas a falar com eles: "Não precisa ter vergonha, é só cutucar que ele atende", disse o enorme homem. Depois de cutucado, José Dirceu estava na nossa frente junto com Eloísa Helena e Suplicy. Só faltava saber o que fazer. Insegurança de principiantes.
Com as entrevistas na mão a empolgação começou a surgir. O curso já não parecia tão ruim, nós já não éramos mais tão inúteis e idéias começavam aparecer. Isso não só por causa das entrevistas, mas por tudo o que estava acontecendo.
Depois de uma passeata de mais ou menos dezesseis quilômetros e de muito pão com mortadela,  muita banana e tangerina estávamos exaustas. Mas ainda assim dava para pensar no protesto, na revolta dos sem-terra, nas reivindicações dos professores e no preconceito de algumas pessoas.
Sentada em frente a um banco na Boca Maldita ouvindo os discursos fiquei pensando num senhor que depois da calcular com seu amigo quantos bois seriam necessários para acabar com a manifestação me perguntou o que eu, uma moça de família estava fazendo com  uma bandeira da CUT no meio daqueles "vagabundos  favelados". Antes de ir embora ele chegou à conclusão que se soltassem uns  trezentos bois em cima dos manifestantes e mais algumas bombas de gás acabariam com o protesto.
Em casa percebi que todo o cansaço  foi válido. Deu para pensar e começar a fazer algo. E o começo é este site."

 

               

Camila Vanzella

 

 

 "A UEL estava paralisada desde quarta-feira (31/05). Na quinta de manhã recebi um telefonema do DCE me informando a respeito da manifestação que ocorreria no dia seguinte em Curitiba. Imediatamente liguei para a Camila e para Simone que em outra manifestação (ocorrida dia 09/05, também em Curitiba) demonstram vontade de ir, mas acabaram não indo. Mas dessa vez foi diferente.
 A saída estava marcada para as 23:00h. Saíram daqui dois ônibus. Em um viajaram os estudantes da UEL, no outro foram estudantes secundaristas, membros da UJS (União da Juventude Socialista), militantes do PC do B e alguns integrantes do MST. Devido ao excesso de passageiros no ônibus da UEL tivemos que  viajar no segundo.
 Chegamos a Curitiba no início da manhã. Paramos no parque Barigüi, onde nos reunimos às outras caravanas, saídas de várias partes do país. Lá estavam os representantes de comunidades esclesiais, estudantes, integrantes do MST, membros da UBES, ULES, UPES, UJS, de partidos políticos (como PT, PC do B, PDT) e sindicalistas.
 Enquanto os representantes dessas entidades falavam do alto de um carro de som, os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Eloísa Helena (PT-AL) e os deputados José Dirceu (PT-SP) e Roberto Requião (PSDB-PR), conversavam com a imprensa e conosco. As entrevistas foram interrompidas quando os discursos acabaram e os senadores e deputados foram chamados para entregar as sacolas que continham o café da manhã dos manifestantes (pão com mortadela, banana e tangerina).
 Logo após, seguimos em marcha organizada até a Catedral Metropolitana. Depois de duas horas de caminhada, enfim chegamos à praça Tiradentes, em frente da qual fica a Catedral. O carro de som parou e a multidão começou a pendurar faixas e estacar cruzes por toda a praça. Começaram novamente dos discursos até que, às 13:00h uma queima de fogos indicou que o almoço comunitário (semelhante ao café da manhã) seria servido.
As 15:00h iniciamos nova caminhada até a "Boca Maldita", passando pelo calçadão, onde fomos saudados por uma chuva de papel picado.
 Chegando à "Boca Maldita", a multidão parou em frente ao palanque, onde ouvimos, até as 19:00h, discursos de protesto e indignação com os governos estadual e federal e reivindicações por terra, melhoria das condições trabalho, de salário e de ensino. Por volta das 16:00h juntaram-se aos manifestantes alunos, servidores e professores da UFPR que, vestidos com saco de lixo, reivindicavam reajuste salarial. Aproveitei para rever meu irmão, Guilherme,  que cursa Agronomia lá.
 Enquanto acompanhávamos a manifestação, segurando as bandeirinhas da CUT que recebemos pela manhã, fomos interpeladas por um senhor, que trajava terno e gravata. Esse senhor estava indignado com o protesto chamando os manifestantes de vagabundos e favelados e nós, como "moças de família" não deveríamos andar no meio "dessa gente". Infelizmente não conseguimos obter o nome do sujeito.
 No final do dia voltamos para casa. O nosso ônibus chegou em Londrina às 3:00h da madrugada, o outro (dos nossos companheiros de UEL), quebrou no meio do caminho e só chegou às 6:00h da manha. A troca, para nós, foi proveitosa. "

 

Paula Mikami de Souza
 
 
 

 

"Confesso que meu impulso em relação a esta viagem não foi o sentimento de protesto, foi mais a curiosidade. Lembro que a Paula me ligou e perguntou se eu queria ir na manifestação em Curitiba; o ônibus era de graça e eu só teria gastos com alimentação. Como sempre quis conhecer Curitiba, me encapotei dos pés à cabeça (já que não queira passar frio) e fui...
    Nós fomos num ônibus com um pessoal do PC do B, estudantes secundaristas e também  participantes das Comunidades Eclesiais de Base. Nós íamos no ônibus da UEL, mas precisavam de alguém para trocar de lugar, já que não haveria espaço para todos. Esse ônibus "comunista" saía do mesmo local que o da UEL. Nós não conhecíamos ninguém, foi só no meio da viagem que descobrimos quem eram as pessoas do ônibus, ao vermos uma bandeira do partido estendida.
Havia muitas organizações lá em Curitiba, como por exemplo a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES), MST, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Brasileira  dos Estudantes Secundaristas (UBES) e alguns outros partidos, como o PT. Encontramos o senador Eduardo Suplicy (PT), o José Dirceu (líder do PT), a senadora Eloísa Helena (PT de Alagoas) e o deputado Roberto Requião (PMDB).
    Até então, nem tinha passado pela minha cabeça aproveitar todo aquele movimento para escrever alguma coisa nem que fosse só  para algum trabalho da faculdade, mas ao ver todos aqueles repórteres e políticos tão perto da gente, resolvi me meter no meio do pessoal das rádios e das TVs e aproveitar as entrevistas. Conseguimos até com que o Suplicy, o José Dirceu e a Eloísa Helena falassem especialmente com a gente.
    A partir daí, meus planos de somente conhecer Curitiba já tinham ido por água abaixo. Já estava envolvida com o ambiente de protesto:  gente discursando em carro de som, bandeiras do PT e da CUT e também muitos sem-terras e outros manifestantes com cruzes e faixas onde estava escrito "Lerner Assassino", para lembrar um mês da morte do trabalhador Antonio Tavares Pereira. Cada uma de nós pegou uma bandeira da CUT (já que precisávamos de algum símbolo para o protesto) e saímos em passeata com todo mundo que estava ali no parque Barigui. Eu não tinha idéia do quanto íamos andar, só sei que íamos até a catedral.
    Saímos às sete e meia da manhã do Barigui. Nessa horas vinham à minha cabeça o aviso da minha mãe e de um amigo nosso ( o Fábio, namorado da Camila) para não nos metermos no meio da confusão, mas foi tudo bem organizado; caminhamos na mesma fila dos sem-terras. Os policiais e os carros abriam caminho para a passeata, não houve confrontos. Foram duas horas de caminhada! Lembro-me que quando cheguei à catedral, não agüentava dar mais nenhum passo...
    Nós demos uma volta pelo centro de Curitiba e depois fomos pegar o almoço, servido pelos organizadores da manifestação (pão, banana e tangerina, o mesmo do café da manhã) e sentamos no chão da praça da catedral. Estava difícil alguém me tirar dali, estava cansada até para falar...
    Às quatro horas da tarde, seguimos todos para a "Boca Maldita". Pelo que fiquei sabendo, o lugar tinha esse nome por já ser um local tradicional de manifestações. Lá ia ter mais discursos e protestos; muito líderes políticos e de outras organizações falaram no palanque, além de acontecerem apresentações de hip hop ( o que pra mim foi difícil de ouvir, já que não gosto de hip hop). Foi num desses discursos que descobrimos que a UEL havia aderido à greve.
    Ficamos na Boca Maldita até às oito horas da noite, quando estava marcado de pegarmos o ônibus, mas  a Paula, a Camila, eu e mais umas quatro pessoas que estavam junto com a gente perdemos o ônibus. Avisaram que a gente deveria ir no ônibus da UEL até um posto na estrada, onde trocaríamos de lugar. Além disso, tivemos que esperar o organizador da excursão da UEL por uma hora, que foi fazer não sei o que, mas  esses atrasos e confusões não são muito difíceis de acontecer numa viagem cheia de gente...
    Chegamos às três horas da manhã, ainda bem que o Fábio (namorado da Camila) foi buscar a gente, senão ia ser difícil ter que dar mais um passo ou esperar o ônibus até cinco e meia ou seis horas da manhã. Só me lembro que depois dormi o sábado todo... "

 

Simone Paula Marques Tinti
 


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